O azulejo bumerangue

26-09-2010 18:43

Naquele dia, eu estava muito irritado. Estava de mau humor e tudo me incomodava. A minha atitude no consultório foi lamurienta e pouco produtiva. Detestava tudo o que fazia e tudo o que tinha. Mas, acima de tudo, estava aborrecido comigo mesmo, como num conto de Papini que o Jorge me leu, naquele dia eu sentia que não conseguia suportar «ser eu mesmo».

— Sou um estúpido — disse-lhe (ou disse para mim próprio). — Um imbecil… Acho que me detesto.

— És detestado por metade da população deste consultório. A outra metade vai contar-te uma história.

Era uma vez um homem que andava sempre com um azulejo na mão. Tinha decidido que, quando alguém o irritasse a ponto de ficar cheio de raiva, lhe daria com o azulejo na cabeça. O método era um bocado troglodita, mas parecia eficaz, não achas?

Acontece que se cruzou com um amigo muito prepotente, que lhe falou com maus modos. Fiel à sua decisão, o homem pegou no azulejo e atirou-lho à cabeça.

Não me lembro se lhe acertou ou não. Mas acontece que, depois disso, o facto de ter de ir buscar o azulejo depois de o arremessar lhe pareceu um bocado incómodo. Decidiu, então, inventar o «Sistema de Autopreservação do Azulejo», como lhe chamou. Atou um cordel de um metro ao azulejo e saiu para a rua. Isto permitia que o azulejo nunca se afastasse demasiado, mas rapidamente o homem constatou que o novo método também tinha os seus problemas: por um lado, a pessoa destinatária da sua hostilidade tinha de estar a menos de um metro de distância e, por outro, depois de atirar o azulejo, era obrigado a recolher o fio que, além do mais, muitas vezes se enredava e fazia nós, com todas as chatices que daí decorriam.

Foi então que o homem inventou o «Sistema Azulejo III». O protagonista continuava a ser o mesmo azulejo, mas, neste sistema, em vez de estar atado a um cordel, estava atado a um elástico. Agora, o azulejo podia ser lançado uma e outra vez e voltaria sempre para trás, como um bumerangue, pensou o homem.

Quando saiu de casa e recebeu a primeira agressão, atirou o azulejo. Mas foi um fiasco total: quando o elástico entrou em acção, o azulejo voltou para trás e acertou em cheio na cabeça do próprio homem.

 

Jorge Bucay

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obrigado

José | 27-09-2010

Obrigado Juv's...
Pensava hoje nas vezes em que atirei o meu azulejo pensando que nunca me iria atingir...e ao ler isto do J. vejo que tenho um elástico no azulejo, que reduzi o entusiasmo de algumas amizades por pensar que teria a razão ou tinha-a e não a disse da melhor forma.
Isto para dizer que hoje convosco aprendi que tenho de cuidar-me e tentar atirar menos azulejos e passar verdadeira amizade...

Mais uma vez, obrigado e força no juvenato pois estão num bom caminho...

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